quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Guardador em mim.

Ele chegou, como sempre calado, organizou sua mesa, pegou seu cigarro, o cinzeiro, buscou no fundo dos bolsos aquele isqueiro que sempre lhe salva, desta vez não achou, procurou em toda a casa uma caixa de fósforos para que finalmente possa começar a trabalhar. 
Colocou um velho disco na vitrola, passando as pontas dos dedos em volta, sentindo um pouco de saudade do que aquele disco um dia representou na sua adolescência, rodando e sentindo, antes de tocar, pelo simples fato de ter em mãos aquelas músicas que tanto lhe esquentam o coração e o espírito, não poderia ser diferente era um daqueles vinis da década de 90 da sua gravadora favorita, subpop recorda. Finalmente, após uma catarse de lembranças, ele coloca o disco para tocar. 
Sentou-se em sua cadeira que é tão dura quantas as palavras que ele sempre pensa, ao mesmo passo que aquele lugar, uma simples cadeira o lembra de tantas coisas que já foram pensadas nela. 
Ele, pensou: falta um café, e de preferência sem açúcar.
Correu na cozinha, de forma rápida, fez o velho ritual, colocar água para esquentar, pegar o pó de café, sentir o cheio do pó - a final, para ele mais gostoso que beber a bebida negra era sentir o cheiro entrar em suas narinas, respirando bem fundo aquele odor que tão lhe é caro, após esses instantes, colocar finalmente o pó no coador e esperar a água esquentar. Passo a passo realizado, agora era esperar coar e pronto. Colocou numa xícara de seu poeta russo favorito, Maiakovski, e enfim poderia começar os trabalhos. 
Sentado em seu local, mesa organizada, café, música e cigarro poderia começar o deleite de tudo que pensava. 
Olhou para a estante onde guarda os livros de poesia, achou que seria uma boa inspiração ler seu poema favorito A flor e a náusea de Drummond, e nunca é demais um pouco de poesia. Leu, e queria encontrar nele aquela flor que nasceu na rua, a final tudo que ele só poderia ver era, que estava preso em sua classe, e por todas as passagens que via só poderia encontrar melancolias é mercadorias. E achou que era melhor andar cego do que ver tudo aquilo que tanto lhe incomodava nele. 
Parou, respirou. Mais um gole de café, estava gelado mas ainda assim era café, acendeu mais um cigarro, um trago e mais um respiro. Sem saber por onde começar a escrever passou a ponta de seus dedos pela borda da mesa, lembrando tudo que já havia passado ali, em pouco tempo, tantas coisas, mas nenhuma palavra, ou algum sentimento que fosse bom, ou minimamente digno de pena, nada, nem se quer tristeza. 
Olhou tudo novamente, e viu um porta-retratos, que contém a foto de bebê, ainda com apenas um ano de vida e que lhe foi dada em seu aniversário, aquele rostinho de bebê tanto lhe era caro, e para ele, era a expressão máxima do amor por alguém, até que lembrou de algo, o porta-retrato não era original daquele foto, esse objeto lhe foi dado anos antes, e continha também uma foto de um grande amor, a primeira vez que ele sentiu o que era amar alguém mais do que a si mesmo. Pensou, "não é possível que, esse seja um objeto que guarda amores", mas mesmo assim, por horas lembrou, do texto que havia escrito atrás da foto original, a pessoa que lhe deu, e tudo que aquele objeto significa. 
Não é somente uma mercadoria - porta-retratos - é um guardador de amor!  
E após este instante, a melancolia que assombrava sua noite, o seu café gelado ou tudo aquilo que lhe trazia algo ruim foi substituído pelo que o a caixa, ou melhor dizendo porta-retratos guardava, que era uma sensação de ser amado e amar essas pessoas. 
Lembrou que junto deste guardador de amor, tinham duas alianças, hoje já não brilham como no passado, mas guardam o mesmo amor que já fora sentido e vivido e enfim pensou, se eu guardo tudo isso, quero poder lhe guardar, não numa caixinha, ou numa fotografia - mas ao meu lado. 
E desde então, ele nunca mais viu tristeza em sua vida, a final tinha todo amor que houver nessa vida. É sempre lembrava do trecho de uma música que mandou para ela que dizia " do nosso amor a gente é que sabe". 

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